O conceito de idoso está velho, de acordo com Ana Amélia Camarano, especialista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em envelhecimento populacional. “Hoje quem tem 70 anos é como quem tinha 50 anos tempos atrás. Uma pessoa de 60 anos, mesmo na classe mais baixa, não é idosa como foram nossos avós.”
Segundo a pesquisadora, mais do que estabelecer um novo corte, é necessário igualar as idades exigidas nas diversas políticas públicas para os idosos. Ela aponta, ainda, que o Brasil está fora do caminho no que se refere à garantia de boas condições para o envelhecimento.
Entre 2010 e 2050, o número de brasileiros acima de 60 anos deve triplicar, segundo o IBGE. O Brasil está preparado para o envelhecimento da população?
Uma questão fundamental para se preparar para 2050 é garantir que os novos idosos, que são as crianças e jovens de hoje, envelheçam bem em termos de saúde, educação de qualidade, trabalho e condições de renda.
O Brasil já está nesse caminho?
Estamos fora desse caminho, porque embora estejam aumentando a frequência à escola e indicadores como número médio de anos de estudo, não significa que há educação de qualidade ou garantia de emprego com condições e salário adequados. Estamos longe disso.
Quem vai ser idoso em 2050 já nasceu quando a fecundidade começou a cair e com a mortalidade em redução acelerada. Essas pessoas não estão morrendo, mas não quer dizer que estejam sobrevivendo em boas condições.
Tem alguma área que está melhor?
O Brasil tem avançado muito na questão da Seguridade Social, na garantia de renda para a população mais velha que não tem capacidade de trabalhar. Dentro da América Latina, talvez seja o país mais avançado, mas parte disso pode se perder por conta das altas taxas de desemprego. Pode ser que as pessoas não consigam se aposentar.
Na saúde, o projeto do SUS é muito avançado. O Brasil é um dos poucos países do mundo com um sistema público, universal e gratuito. Tem uma concepção bonita, mas o acesso é difícil.
A definição de idoso tem que ser atualizada?
Esse conceito ficou velho. A definição de idoso para pessoas com 60 anos ou mais é de 1994. De lá para cá, a expectativa de vida aumentou seis anos. Além disso, vemos que a maioria da população envelhece com boas condições de saúde e autonomia.
Brinco que não estamos envelhecendo, mas rejuvenescendo. Hoje quem tem 70 anos é como quem tinha 50 anos tempos atrás. Uma pessoa de 60 anos, mesmo na classe mais baixa, não é idosa como foram nossos avós. É só pegar fotos e comparar. As pessoas têm maior autonomia e participação social. A velhice, no sentido de perda de capacidade de trabalhar, de vida cotidiana e autonomia, está começando mais tarde.
É possível elaborar um conceito novo nesse cenário heterogêneo?
De certa maneira, sim. O Brasil tem uma confusão ainda. Cada política social define uma idade diferente. O BPC [Benefício de Prestação Continuada] é 65 anos ou mais. O transporte gratuito é 65 na Constituição e, em algumas cidades, é a partir de 60. A meia-entrada é 60 anos ou mais. É preciso, primeiro, homogeneizar isso.
Para políticas públicas, 65 anos é um bom corte? “‚É um primeiro passo, não quer dizer que está bom ou ruim. Um primeiro passo seria homogeneizar os conceitos, e aí seria em torno dos 65 anos.
Se o Brasil fizer essa mudança, vai desamparar um grupo que hoje tem acesso?
A ideia não é essa. É só para quem ainda não acessou. A lei não pode retroagir e prejudicar.
É a favor de uma idade mínima para aposentadoria?
Sou a favor. O Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo que não têm uma idade mínima. As mulheres estão se aposentando em média aos 54 anos e os homens, aos 58. Estão muito novos. Obviamente vai ter que ter algumas aposentadorias especiais e tem que levar em conta as condições de trabalho.
Deve haver diferenciação na idade de homens e mulheres?
Por enquanto, sim. O ideal é que não precise haver, mas o que acontece é que a mulher, pelo custo de oportunidade da maternidade, tem trajetória mais irregular no mercado de trabalho e salários mais baixos que os dos homens. O ideal é que acabe com essa discriminação. Enquanto isso não acontecer, a manutenção da diferença serve para compensar a mulher.
Como vê a inserção dos idosos no mercado de trabalho?
O adiamento da idade para aposentadoria teria que vir junto com uma política de inserção do idoso no mercado de trabalho. Os nem-nem maduros –que são homens de 50, 55 anos que não trabalham nem são aposentados– têm crescido.
Isso é resultado do preconceito que o empregador tem em relação à mão de obra mais velha, pela maior dificuldade de acompanhar mudanças tecnológicas e por faltarem muito por morbidade. Também atrapalha o transporte inadequado. É preciso investir em políticas nesse sentido.
O Estatuto do Idoso prevê prioridade no acesso a alguns serviços. Essas normas funcionam?
Agora se criou uma nova categoria de idoso, de 80 anos e mais. Ele é a prioridade sobre as prioridades. Você pode estar caminhando para um processo que depois muda a definição para 80. Acaba que estão se criando duas categorias de idosos.
Isso é um problema?
Eu acho que é um processo natural envelhecer essa definição, mas talvez passar para 80 seria um salto muito grande. E a minha grande preocupação é com plano de saúde, porque o Estatuto do Idoso fala que não pode aumentar a mensalidade para quem tem 60 ou mais. Na medida que está passando para 80, vai aumentar para até 80?
Há espaço para aumentar expectativa de vida no Brasil hoje?
Sim, com avanço da tecnologia médica. As pessoas estão vivendo mais, mas não necessariamente com melhor condição de saúde.
É contraditório, ao mesmo tempo em que aumenta a discussão sobre longevidade, o Brasil estar atrasado em políticas básicas?
O Brasil é assim, vai avançar muito na tecnologia médica e vai ter gente morrendo na fila do SUS, porque não tem Novalgina.
Texto extraído de Folha